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Corrente Crítica/Spider Project, com Peter Mello, SpS, PMP, PMI-SP

Dando continuidade a nossa série Metodologias de Gerenciamento de Projetos, vamos entrevistar Peter Mello, do The Spider Team. Peter tem Quatorze anos de experiência na criação e gestão de novos negócios e projetos, com oito anos de dedicação à área de Tecnologia da Informação, em atividades técnico-comerciais, incluindo Gerência de Canais, Gerência de Produto, Gerência de Projetos, Gestão de Configuração de Software e desenvolvimento em diversas plataformas.

Membro do PMI e Certificado PMP (Project Management Professional) e também Certificado PMI-SP (Scheduling Professional), formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, com experiência na aplicação prática de conceitos de CMMi em projetos de grandes sistemas. Acumula aproximadamente 3.000 horas de cursos na área de tecnologia e oito anos na área de Gestão de Projetos, Riscos e Portfólios.

Olá Peter, tudo bem?

Tudo jóia, grato pelo convite!

Peter, como surgiu a Corrente Crítica?

De fato existem duas vertentes relacionadas ao termo “Corrente Crítica”.

A mais conhecida no Ocidente e que ganhou espaço no PMBOK (publicação do PMI) é oriunda da Teoria das Restrições (Theory of Constraints).  Neste caso, ambos conceitos são oriundos da experiência do senhor E. Goldratt. A Teoria das Restrições nasceu na indústria, na década de 80 e o termo Corrente Crítica foi cunhado em fins da década de 90 (creio que em 98), para a área de gerenciamento de projetos.

Já no Oriente, em especial Rússia e demais países da extinta União Soviética, a “Corrente Crítica” é conhecida como “Caminho Crítico dos Recursos” (Resource Critical Path) e este termo foi assim cunhado ainda em 1978.  Ambos termos significam estabelecer o menor caminho possível para um projeto levando em consideração os recursos utilizados. Como Goldratt já era conhecido pela sua teoria das restrições nos EUA desde a década de 80 e o termo “RCP” era usado pela União Soviética durante a Guerra Fria, podemos fazer uma idéia de por quê o termo “Corrente Crítica” ter ganhado a preferência.

Há algumas observações importantes:

1) O caminho crítico dos recursos (RCP) criado pelos russos é mais completo que a corrente crítica pois leva em consideração também restrições de custos e materiais que normalmente são ignoradas no método de Goldratt.

2) O termo “Corrente Crítica” é amplamente utilizado no “Método da Corrente Crítica”. O método é muito mais do que a simples definição do menor caminho possível do projeto considerando os recursos.

3) O termo “RCP” é amplamente utilizado no “Success Driven Project Management”. O SDPM é um “outro método de corrente crítica” que compartilha vários pontos com o método de Goldratt, mas tem muitos pontos diferentes também.

Que surpresa, eu só conhecia a linha da A Teoria das Restrições, CCPM (Critical Chain Project Management). Em linhas gerais, como funciona a Corrente Crítica?

Quando se fala apenas no termo “corrente crítica”, nós estamos falando da identificação daquele conjunto de atividades que determinam o menor tempo possível de um projeto não apenas pela sequência lógica entre dependências da rede, mas também em função dos recursos utilizados.

Quando falamos do “Método”, temos muito o que falar, pois agregamos informações sobre o comportamento das pessoas, o tratamento de riscos, a aplicação de reservas organizadas e controladas pelo gerente de projetos e muito mais coisas do que podemos tratar aqui. Isso vale tanto para o “Método do Caminho Crítico” como também para o “SDPM”.  Eu tenho um mini-curso que fala dos pontos comuns e das diferenças em http://petermello.blogspot.com/2009/06/corrente-critica-abordagens-ccpm-e-sdpm.html

Vale lembrar que o mini-curso é completamente gratuito. Corrente Crítica e Caminho Crítico são a mesma coisa?

Deveria ser, mas não podemos considerar a mesma coisa! Quando o termo “caminho crítico” nasceu, ele tinha como objetivo descrever a sequência de atividades que determinam o menor tempo possível para um projeto. Quando começaram a buscar mecanismos para de fato calcular este menor caminho, nasceu a técnica do caminho crítico baseado na análise das folgas entre atividades de um cronograma baseado em um diagrama de redes. Esta técnica não levava em consideração o uso de recursos e portanto com o tempo as pessoas passaram a associar automaticamente o termo “caminho crítico” com “o conjunto de atividades com folga zero” e não “o conjunto de atividades que determinam o menor tempo possível de um projeto”.

Sendo assim, passamos a ter uma coisa que seria o “caminho crítico” da técnica CPM (Critical Path Method) e o “caminho crítico do projeto”, que muitas vezes não são a mesma coisa.  Para resolver a confusão, os russos passaram a adotar o termo RCP (Caminho Crítico dos Recursos) e Goldratt criou o termo “Corrente Crítica”.

É como DANONE e IOGURTE. Muitas pessoas compram “Danone da Batavo” ou “Gilette da Bic”, ao invés de comprarem “Iogurte da Batavo” e “Lâmina de Barbear da Bic”. O termo “caminho crítico” foi “apossado” por aqueles que utilizam este termo para indicar o caminho de um projeto onde as atividades tem folga zero e portanto a diferenciação entre “caminho e corrente” passou a ser tão importante!

No que a Corrente Crítica difere do framework do PMBoK?

Em nada! Nós podemos encontrar um breve descritivo do que é a Corrente Crítica dentro do próprio PMBOK. O fato é que o PMBOK é essencialmente defendido por americanos e estes tem como histórico dar muita importância ao CPM (Método do Caminho Crítico) e portanto outros métodos relacionados ao desenvolvimento de cronogramas ganham pouco espaço nesta publicação. O “framework” do PMBOK comporta tanto projetos que apliquem CPM, como Corrente Crítica ou SDPM.

Os conceitos da Corrente Crítica são exclusivos ou complementares aos do PMBoK?

Se entendemos que o PMBOK é um Guia para o Conhecimento em Projetos, o que podemos dizer é que alguns conceitos da Corrente Crítica ainda não estão assimilados e disponíveis no PMBOK, mas são complementares.

Então é perfeitamente possível gerenciar um projeto utilizando as melhores práticas e a Corrente Crítica.Quais os pontos fortes da Corrente Crítica?

Pontos comuns entre o Método de Goldratt e do SDPM russo que são muito fortes:

1) O entendimento de que reservas de projetos na própria atividade são prejudiciais e que para criarmos cronogramas realistas temos que separar as durações de fato esperadas para cada atividade em condições normais daquelas reservas para cumprir com eventualidades de risco (ou Murphy).

2) O entendimento de que as pessoas tem alguns comportamentos que são prejudiciais ao projeto e precisam ser combatidos com a criação de cronogramas desafiadores. É o caso da Lei de Parkson (o trabalho ocupa todo o tempo que a ele damos) e a Sindrome do Estudante (as pessoas sempre que possível começam o trabalho o mais tarde possível).

3) A valorização de cronogramas realistas pois consideram o impacto dos recursos (e sua falta) na determinação dos prazos adequados para a realização do projeto

Pontos da Técnica SDPM que considero muito fortes e que não estão presentes na técnica de Goldratt:

1) A criação de reservas de projeto (tempo e custo) baseado no cálculo matemático entre cenários pessimista, provável e otimista, levando em consideração um índice de probabilidade negociado com o cliente e sem prender esta reserva em uma única parte da rede do projeto (que é o caso do pulmão de projeto de Goldratt, preso à corrente crítica do projeto).

2) Acompanhamento de projeto por tendências e não status. Este é um ponto relevante e que será em breve publicado no meu próximo artigo na Mundo PM, ou no meu blog.

E quais os fracos?

Em SDPM, um ponto fraco (apenas por que dá trabalho) é o nível de detalhamento que temos que chegar para criar cronogramas realistas. De fato nenhum método que eu conheço exige planejamento tão detalhado quanto o SDPM. No entanto, se eu não acreditasse em planejar antes de executar, nem mesmo gerente de projeto eu seria.

No Método da Corrente Crítica, o pulmão preso em uma única parte da rede retira do gerente de projeto a chance de identificar melhorias na rede como um todo a partir de conceitos de otimização do diagrama de redes. Além disso, alguns conceitos de simplificação dos cálculos para determinar as reservas me parecem extremos e úteis apenas quando não temos ferramentas matemáticas para fazer o cálculo por nós. Visto que hoje usamos o Word para escrever textos e o CAD para desenhar projetos de engenharia, temos que entender que também há softwares que podem fazer cálculos complexos e portanto mais precisos e eficientes para o nosso projeto e portanto algumas simplificações propostas pela técnica só faziam sentido há muitos e muitos anos atrás.

Existe algum tipo de projeto em que a Corrente Crítica seja mais recomendada?

Os métodos de corrente crítica, tanto de Goldratt e SDPM, podem ser adotados em todo tipo de projeto.  No entanto, quanto mais complexo é o projeto, mais importante é o impacto dos recursos e portanto eles precisam ser levados em consideração.  Mesmo que não se adote todos os conceitos de SDPM ou de Goldratt, elaborar bons projetos com um adequado nivelamento de recursos e identificação da corrente crítica de projeto é crucial.

Quais as principais ferramentas e softwares usados na Corrente Crítica?

Há diversos plug-ins para o MSProject para o Método de Goldratt e algumas ferramentas específicas para tal. Realization me parece ser o mais conhecido. Eu utilizo o Spider Project que também serve para o Método de Goldratt mas é a única ferramenta no mercado que é totalmente compatível com todos os níveis de implementação do SDPM pois permite a integração de cenários de risco, múltiplas versões, cálculo de probabilidades e indicadores de tendência em um mesmo software.

É verdade o que dizem que utilizando a Corrente Crítica, é possível se entregar um projeto em até metade do tempo médio?

Redução de prazos e custos sim. Falar de 20%, ou 50% sem conhecimento de fato do tipo de projeto, equipe, restrições em geral e da qualidade da implementação dos métodos é que não dá.

Quando utilizamos SDPM, por exemplo, somos obrigados a criar cronogramas mais realistas.  As vezes, o que conseguimos não é exatamente terminar antes do tempo médio, mas sim na data acertada com o cliente.  O que eu posso dizer é que o custo de se planejar bem para executar adequadamente é sempre muito menor do que realizar mal. Neste aspecto, a aplicação de métodos da corrente crítica é muito importante!

Existe alguma certificação em Corrente Crítica? Qual a agencia que regula a certificação?

Sim, há. Mas para o caso do Método de Goldratt os candidatos devem procurar a Goldratt Schools. Na lista TOC do Yahoo, bater um papo com o Adail ou Humberto é uma ótima idéia.  Para o caso do SDPM, não há uma certificação específica para ela, mas a Spider (que represento no Brasil) só libera a sua Certificação SpS (Spider Project Specialist) para aqueles que detém os conceitos de SDPM e conseguem aplicá-los na ferramenta.

Como você vê o crescimento do uso da Corrente Crítica no mundo, tendo em vista seus resultados quando comparados ás outras metodologias de gerenciamento de projetos?

Eu estou mais ligado à implementação do SDPM. Por fim a técnica começa a ser discutida em eventos do PMI e a aparecer em discussões no mundo Ocidental e para mim isso é prova de que está surtindo efeito. Nos EUA há diversos casos documentados do uso do Método de Goldratt pela Força Aérea Americana. Na Rússia, o SDPM é utilizado em projetos para o Ministério da Defesa, dos Transportes, nas áreas de Petróleo, Gás, Aeroespacial e muitas outras.

Onde interessados no assunto podem conseguir material para estudo?

Para SDPM: http://www.thespiderteam.com/sdpm, para CCPM (Critical Chain Project Management): http://www.heptagon.com.br/

Que tal um exemplo de projeto em Corrente Crítica? Pode nos contar de algum em que você tenha participado?

A parte mais importante em um projeto baseado em SDPM é a resolução dos conflitos de uso de recursos compartilhados. Isso precisa ser resolvido inclusive quando um projeto está inserido em um contexto onde áreas funcionais se tornam gargalos por atender a diversos projetos ao mesmo tempo. Há pouco mais de um ano, fui chamado para trabalhar com os conceitos de SDPM em dois projetos novos de uma empresa que tinha cerca de quinze outros em andamento. Ela havia crescido rapidamente em sua carteira, mas sua equipe não havia crescido proporcionalmente. Ao iniciar o trabalho para os dois novos projetos, ficou fácil perceber que a empresa precisaria investir tempo em instituir todo o seu portfólio dentro do mesmo planejamento para garantir que a área de engenharia que faria os projetos (design) para todos os projetos pudesse de fato ser coordenada em função das entregas necessárias e características de cada projeto.  A identificação precoce dos gargalos e conflitos no uso de recursos foi suficiente para a empresa perceber que não tinha condições de fato para levar os dois novos projetos e assim um foi cancelado e outro foi renegociado com o cliente dentro de uma programação plausível. O resultado imediato foi a redução de prejuízos constantes nos diversos projetos que estavam sempre em atraso e a realização do novo projeto escolhido dentro dos prazos acordados com o cliente. O melhor nivelamento e distribuição dos recursos permitiu então priorizações importantes nas sequências de entregas. Este nivelamento corresponde ao trabalho de encontrar “a corrente crítica do conjunto de projetos da empresa”, mas durante esta situação de identificação de um problema crônico (com os projetos anteriores) e um fluxo de caixa apertado para atender a todos os projetos, o foco desta implementação foi na reorganização de prioridades no portfólio e não na adoção de todos os conceitos de SDPM no novo projeto, pois precisaria de um esforço coordenado com os demais projetos já em andamento que também não poderia ser realizada também pela indisponibilidade de recursos para esta transformação mais completa. Parte dos resultados deste trabalho foram apresentados no PMI College of Scheduling em Chicago e estão disponíveis em http://www.thespiderteam.com/sdpm

Fica aqui a lição então, de que a alocação de recursos é uma parte crítica para o desenrolar do projeto. Não adianta apenas ter a pessoa certa para o trabalho, mas deve-se garantir que essa pessoa tenha o tempo certo para desempenhar cada tarefa sem que aconteça o multi-tasking, de forma a garantir que as atividades do projeto sejam entregues não apenas dentro do prazo, mas sem impactar em outras que dependem dela.

Peter, muito obrigado de novo pela sua participação aqui no Papo GP. Estou certo que meus leitores aprenderam muito com suas respostas. Eu sei que aprendi!

Leia também:
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Peter Mello

Peter Mello

Peter Mello é  formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, tem Quatorze anos de experiência na criação e gestão de novos negócios e projetos, com oito anos de dedicação à área de Tecnologia da Informação, é Certificado PMP PMI-SP. Experiente em Gerência de Canais, Gerência de Produto, Gerência de Projetos, Gestão de Configuração de Software e desenvolvimento em diversas plataformas.

Diego Nei, MBA, PMP®

Consultor em Gestão Empresarial, sócio-fundador da DNCE. Certificado PMP®; Bacharel em Relações Internacionais; MBA em Gestão de Projetos; MBA em Gestão de Processos, Qualidade e Certificações; Leader Coach. Atua como consultor em Gestão Empresarial desde 2012, tendo auxiliado na avaliação e alinhamento estratégico do Portfólio de Projetos da Secretaria Para Copa do Mundo 2014 BA (SECOPA-BA) e no acompanhamento da execução das ações resultantes dos mesmos durante os jogos.

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